segunda-feira, 10 de junho de 2013

Mitos e verdades sobre fotografia digital

*Alex Villegas‚ fotógrafo, autor do livro “O Controle da COR – Gerenciamento de cores para fotógrafos” (Editora Photos). Artigo originalmente publicado na revista P&I, edição #73

A tecnologia evolui em escala exponencial. Assim como na pintura de barcos‚ em que se chega na proa e já é hora de pintar a popa de novo‚ quando achamos que estamos completamente a par do assunto‚ nossas informações já estão obsoletas. E toca a começar tudo de novo.

Pesquisar é uma terapia para quem tem tempo‚ mas é um castigo para quem não dispõe dele. Por isso‚ escolhi aqui cinco das mais interessantes crendices‚ dando prioridade às de pós-produção e impressão‚ que são os ramos menos familiares aos que fotografam. Eu‚ pessoalmente‚ adoraria que tivessem me esclarecido essas coisas quando comecei a clicar em digital…
  • MEGAPIXELS – Quanto mais‚ melhor – DEPENDE!
Dizer que “depende” é a melhor das respostas‚ serve para tudo. Não sou doido de concordar‚ mas tenho que admitir que‚ em grande parte das situações‚ a frase tem lá seu fundo de verdade. Contexto é tudo.

Resolução pura e simples‚ não é como dinheiro‚ de cujo excesso dificilmente reclamaremos – precisa estar associada a uma série de fatores para nos dar os melhores resultados. Um deles é a pouco citada densidade de pixels. E o que é essa tal densidade? Já parou para se perguntar por que a imagem de uma câmera compacta de 12 megapixels não se compara à de uma SLR com os mesmos 12MP?

Uma das respostas é o tamanho do sensor. Quanto maior o sensor‚ maiores os receptores de luz individuais‚ e mais límpido é o sinal que produzem. Isso significa que existe um limite para a quantidade de receptores que podemos colocar em uma dada área do sensor – a tal da densidade de pixels.

Sensores muito pequenos abusam desse limite e têm uma tendência maior à geração de ruído. A consequência é que aí a câmera é obrigada a aplicar uma redução de ruído mais elevada‚ o que degrada a imagem. Da câmera de celular aos backs digitais‚ a qualidade vai aumentando de maneira brutal – tenho imagens de nitidez e qualidade soberbas feitas com um back Kodak de 6MP “espetado” numa Hasselblad.

Outra das respostas é a qualidade da ótica. Lentes de SLR costumam ser mais complexas‚ mas com um desempenho melhor. Com maior capacidade de focar os raios de luz com precisão sobre os receptores de luz‚ a nitidez e qualidade da imagem agradecem. Lentes de baixa qualidade produzem uma imagem mais borrada‚ que é reproduzida em toda a sua falta de detalhes pelo sensor.

Isso traz à tona um engano muito comum hoje em dia: adianta alguma coisa ter câmeras com densidade de pixels incrível‚ como a 50D da Canon‚ e usar ótica de segunda linha? A resolução estará lá‚ mas o detalhe não. De certa forma‚ é como usar uma tevê Full HD para ver fitas VHS. A qualidade da fita não irá melhorar por causa da tevê. Então‚ para se livrar do fantasma dos megapixels‚ se faz necessário coordenar os elementos do problema: ótica‚ sensor e‚ por último‚ mas não menos importante‚ necessidade de resolução. O que nos leva ao próximo mito:
  • 300PPI para impressão – MITO!
Outro mito comum é o da resolução para impressão. Na impressão‚ costumamos considerar a resolução padrão de 300ppi (pixels por polegada)‚ seja qual for o processo – o que não é bem a realidade.

A regra dos 300ppi vale apenas para minilabs. Impressoras offset (leia-se gráficas) trabalham com o conceito de linhas‚ ou lineatura. Explicando de uma maneira bem simplista‚ cada substrato‚ ou superfície imprimível‚ suporta uma determinada quantidade de linhas impressas por polegada. Abaixo disso‚ você está subutilizando a superfície‚ que poderia conter mais detalhe. Acima disso‚ corre o risco de as linhas impressas “grudarem” umas nas outras‚ porque a tinta sempre espalha – mais em alguns tipos de substrato‚ menos em outros‚ mas sempre espalha‚ no fenômeno conhecido como ganho de ponto.

O importante aqui é saber a lineatura típica de cada substrato‚ antes de preparar suas imagens. Algumas sugestões: tecido: 18lpi (linhas por polegada); jornal: 90lpi; papel sem revestimento (alta alvura): 133lpi; papel revestido (couché): 150lpi.

Uma vez de posse dessa informação‚ é só realizar essa operação matemática‚ recomendada pelos técnicos de impressão da Agfa: {LPI /2}*3=DPI. Ou seja‚ se vai imprimir uma capa de revista em couché‚ a 150lpi‚ é só dividir este valor por 2 e multiplicar por 3‚ o que dá 225ppi. Quando se está fazendo uma impressão de página dupla ou de grande formato‚ o ganho de tamanho que se tem ao calcular corretamente a resolução é considerável. Informe-se com seu impressor e você utilizará muito melhor a capacidade de captura de sua câmera.
  • Monitor calibrado reproduz exatamente as cores – MITO!
Um dos mais famosos mitos da fotografia digital é relacionado ao gerenciamento de cores: é aquele que reza que podemos ver exatamente o que será impresso‚ utilizando um monitor calibrado.

O uso do monitor calibrado não é só recomendável‚ é praticamente obrigatório‚ mas há algumas limitações inerentes ao sistema. Por exemplo‚ o fato de que um monitor é simplesmente incapaz de reproduzir determinados tons. Alguns tons de ciano‚ por exemplo‚ estão completamente fora do mapa de reprodução de cores de qualquer monitor. Mesmo entre monitores‚ há limitações – certos tons de amarelo são possíveis de reproduzir em monitores LCD‚ mas não em monitores CRT.

E muitas vezes‚ trabalhamos no Photoshop usando espaços de cor maiores do que o espaço que o monitor consegue reproduzir – poucos monitores reproduzem algo próximo ao Adobe RGB‚ e nenhum mostra o ProPhoto. Quando trabalhamos com um desses espaços de cor‚ o que vemos no monitor não é a realidade‚ mas uma redução dos dados‚ para que possam ser exibidos em um dispositivo de capacidade menor de reprodução.

Um sistema de gerenciamento de cores é interpretativo‚ ou seja‚ fornece dados que‚ embora não sejam visualmente exatos‚ fornecem informações preciosas sobre o resultado final – a impressão‚ por exemplo‚ que fica perfeitamente previsível. Exige alguma prática‚ ao contrário do que se costuma supor‚ mas não é nada de outro mundo.
  • Preciso de um Back digital para fazer outdoor – MITO!
Várias vezes fui consultado sobre aplicativos de interpolação por fotógrafos que desejavam fazer imagens para outdoor – imaginando que fossem necessárias dezenas de megapixels‚ backs digitais ou sofisticados sistemas de interpolação. Ignoravam uma das mais importantes partes da equação: a distância de visualização.

As contas que realizamos logo acima‚ relacionando lineatura e resolução‚ têm como base a distância padrão de visualização. Revistas‚ jornais e livros são objetos que seguramos nas mãos‚ raramente a uma distância maior do que 50cm. No instante em que aumentamos essa distância‚ nossa percepção de detalhes e contraste se modifica‚ e já não há necessidade de uma resolução tão elevada. Duplique a distância‚ a resolução cai pela metade. Dez vezes mais distante‚ dez vezes menos pixels são necessários.

Uma plotter se aproveita desse fenômeno para imprimir em lona – um substrato rústico‚ que tolera apenas uma lineatura baixa – em baixa resolução mas com excelentes resultados‚ visto que as imagens serão visualizadas a grande distância.

Os 30ppi padrão utilizados pelas empresas de impressão de grande formato garantem a visualização de imagens perfeitas a cinco metros de distância – mas é muito frequente que a distância seja maior. E raramente aproveitamos essas oportunidades para potencializar a qualidade de nossas imagens.

Experimente olhar pela rua – só conseguirá visualizar um outdoor inteiro a uma distância de no mínimo dez metros. O que em teoria corta pela metade nossa necessidade de resolução. Na prática‚ eu recomendaria cair para 20ppi‚ o que ainda nos dá uma certa margem de segurança. Ou seja‚ a imagem do nosso hipotético outdoor de 9x3m teria 90cm do lado maior‚ a 200ppi‚ ou 60cm se considerarmos 300ppi.

A partir de um bom original em Raw é perfeitamente possível interpolar cerca de 30% tranquilamente‚ sem perdas facilmente perceptíveis de qualidade. Ou seja‚ se a sua câmera pode fazer 25x38cm a 300ppi‚ ela pode perfeitamente fazer um outdoor de boa qualidade com uma única foto.
  • RAW é inviável em eventos sociais – MITO!
Ao longo dos últimos anos, o formato Raw tem ganhado cada vez mais adeptos entre os fotógrafos profissionais – mas ainda não conquistou os fotógrafos de eventos sociais. Um dos motivos é a crença de que o tamanho e a necessidade de processamento tornam o fluxo de trabalho mais lento, e que a diferença de qualidade não é visível pelo cliente final. Mas o fato é que o trabalho em Raw apenas exige uma certa preparação prévia e otimização do fluxo – cumprida essa etapa, o trabalho em Raw fica tão ou mais ágil do que sua contraparte em JPEG.

O trabalho em RAW permite certas regalias, como: flexibilidade absoluta no balanço de branco; possibilidade de aproximar muito a resposta de cor de câmeras diferentes; arquivos passíveis de maior interpolação; maior latitude. O tamanho maior dos arquivos é contornado pela nova geração de câmeras, que tem maiores buffers e a alternativa de alta velocidade do formato sRaw – small Raw, ou um arquivo Raw com menor resolução – pelos cartões de memória maiores e mais rápidos, computadores mais ágeis e principalmente pelos softwares como o Adobe Lightroom.

O Lightroom permite que se usem técnicas específicas para o processamento de grandes volumes de fotos, e oferece uma agilidade sem precedentes no tratamento de imagem. Visto que ele age através de parâmetros que só são aplicados na imagem na hora de exportar – sem necessidade de longos processamentos ou de “salvar” o trabalho – operações como tratamentos criativos de cor, conversões para PB e afins podem ser testadas e realizadas com velocidade sem precedentes, através dos chamados presets. Experimentar é muito rápido no Lightroom.

Normalizações de cor podem ser feitas já na transferência de arquivos do cartão de memória para o computador, e a “receita” de processamento de uma imagem pode ser aplicada em centenas de outras, através de um simples ato de copiar e colar.

Nem só de teoria vive o homem, e pus os argumentos à prova, fotografando alguns eventos, sincronizando duas ou mais câmeras, e processando sessões de fotos com mais de mil cliques.

Acreditem em mim, não desmereço quem fotografa em JPEG, longe disso. Mas entendo que seja uma questão de mera preferência pessoal, porque ao longo dos últimos meses de pesquisa e prática, confirmei que Raw não só é perfeitamente viável, como muito recomendável na grande maioria dos casos.
  • Na prática a teoria é outra – VERDADE!
Mas não tome minhas palavras por verdade incontestável: podem me acusar de relativista, mas acredito piamente que conhecimento sem experiência de nada serve. Muitas das crendices e mitos da fotografia estão aí simplesmente porque foram verdade um dia, mas foram privados desse status pela evolução vertiginosa da tecnologia. A limitação de hoje fatalmente será contornada amanhã.

Assim são os dogmas: enquanto não são contestados, eles vão ficando, feito visitas chatas. Então, você que lê estas linhas, aceite meu convite e exercite sua capacidade crítica. Comprove as informações acima na prática, pense em outras afirmações clássicas – já não parecem tão sólidas e incontestáveis agora, não? Que tal testá-las? Tecnologia e informação existem para facilitar nossa vida, não para limitá-la e complicá-la.


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